Nunca foi fácil aceitar o novo. Tem sido assim desde
sempre: quando vem a inovação, muitos torcem o nariz e correm para sua zona de
conforto. Desconfiar das novidades faz parte da natureza humana. Dessa forma,
não é surpresa que, ainda hoje, muitos não entendam a proposta da escola em que
trabalho com muito orgulho, o Colégio Estadual Monsenhor Miguel de Santa Maria
Mochón. Um nome extenso que representa bem a grandiosa e inovadora proposta que
estamos desenvolvendo.
A estranheza que muitos sentem ao acompanhar nossos
projetos certamente tem origem na ideia tradicional e arcaica de que “escola
boa é a que dá muito conteúdo”: quanto mais matéria se enfia no aluno, melhor. Faça-os
decorar as orações subordinadas, a fórmula do ácido sulfúrico, os aspectos do relevo
da Indonésia, os nomes das capitanias hereditárias para que, enfim, eles possam
passar numa prova de concurso para “serem alguém na vida”. Nessa lógica, mais importante
do que investir no aluno como ser humano
é garantir que ele tenha nível superior completo e um bom salário. Não interessa
se ele será solitário, introspectivo, infeliz e sem sonhos: ele vale o quanto
ganha. Meu pai, já falecido, pensava o mesmo: o sonho dele era que eu fosse
cadete da aeronáutica, ainda que eu detestasse a doutrina militar. “- Não
precisa gostar, moleque, você vai ganhar bem e vestir uma farda”. Para meu
velho, essa era a imagem do sucesso. Lembro-me bem de que, até o fim, ele ficou
muito desapontado porque eu escolhi o magistério. Ainda que eu sempre deixasse
claro que eu estava profissionalmente realizado, para ele o que importava era a
farda e o salário. Até hoje muitos acreditam que a realização plena do ser
humano consiste em abandonar seus sonhos e vocações para passar na prova da
Polícia Federal. Não, obrigado, estou fora dessa proposta.
Aliás, não só eu, o mercado também está. Ainda que os
concursos para instituições militares tenham parado no tempo e ainda exijam que
os candidatos decorem o nome completo da Princesa Isabel (“Isabel Cristina
Leopoldina Augusta Micaela Gabriela Rafaela Gonzaga”. Isso sim é informação
útil...), hoje o que as empresas, universidades e centros de pesquisa procuram
é um sujeito crítico, proativo, criativo, focado, capaz
de liderar e ser liderado, de trabalhar
em equipe, capaz de conviver com
as diferenças e contribuir para o
bem comum. Faz tempo que o mercado quer mais do que uma nota alta numa prova de
admissão.
Quando nossos alunos produzem um filme, não estão
apenas “fazendo graça”: eles dão duro, trabalham em equipe, superam suas
diferenças, aprendem como trabalhar em equipe e criam novas técnicas para gerir
o projeto. Até hoje faço uso do FAB,
um termo criado por eles durante as
filmagens do curta “Reinações na Sala de Leitura”. Esse termo não existe (pelo
menos, não existia), mas foi a solução CRIADA PELOS ALUNOS para nunca se
esquecerem de ajustar o Foco, a Abertura e o Branco (FAB) da câmera a
cada cena. Eu não ensinei isso, foram eles que criaram esse sistema. Imaginem
esses jovens em uma empresa, analisando os problemas e criando soluções... isso
não se aprende na aula de Língua Portuguesa.
Nas aulas de dança e cultura corporal, a garotada cria
um vínculo que engloba o compromisso, a responsabilidade, a amizade e a
excelência. Após as apresentações (depois de semanas, até meses de ensaio), é
evidente como ficam mais unidos e criam laços de confiança entre si. Isso não se aprende numa tradicional aula de
Matemática.
Na Sala de Leitura os jovens não se limitam a ler os
livros: lá é como viver uma aventura a cada dia e conhecer os autores não como
nomes num livro de literatura, mas como seres humanos que tiveram uma motivação
para escrever. É uma experiência literária sinestésica: som, vídeo, tato, até
mesmo sabores... (que tal relembrar o Halloween Literário?) a fruição da
literatura vai além do texto. As produções dos alunos impressionam, não pelo
tecnicismo da “excelência estética”, mas pela franqueza dos versos, pela
certeza de que compreenderam e assimilaram a arte poética em sua plenitude: não
se trata de decorar a definição de soneto
ou redondilha, mas fruir a poesia,
assim como os poetas gostariam que tivesse sido. Isso não se aprende numa sala
de aula comum.
Há ainda as aulas de Projeto de Vida, Cultura e Mídia,
Iniciação Científica... tudo o que só se espera ver em uma escola particular,
mas que está ali, disponível para os jovens de nossa comunidade. E há quem ache
bom substituir isso por uma massificação de conteúdo programático, ainda que nós
já estejamos ministrando todo o conteúdo previsto para o Ensino Médio nas aulas
regulares. Nossa escola não é um curso preparatório, é uma iniciativa que forma
jovens protagonistas, seres humanos plenos, críticos e cheios de sonhos. Quem quer virar um “pudim de conteúdo” está no
lugar errado.
Seria mais fácil fazer o tradicional, o “feijão com
arroz”. Ao contrário do que muitos pensam, esse tipo de trabalho é muito,
muito, mas MUITO mais difícil que entrar na sala de aula e encher o quadro de
matéria. Não é mole, exige muito planejamento e trabalho voluntário – isso mesmo,
voluntário, dos professores à direção. Fazemos por prazer, porque acreditamos
que o que fazemos melhora a comunidade em que vivemos, de verdade. Isso exige
muito trabalho fora do horário e algumas noites sem dormir, como hoje, por
exemplo. Tudo o que recebemos em troca está ali, em nossos alunos: seu amadurecimento,
sua evolução, suas conquistas... tudo isso paga nosso esforço.
Eu poderia dizer que não temos a pretensão de mudar o
mundo, mas eu estaria mentindo: temos sim. Acreditamos MESMO que somos capazes
de ser um exemplo para outras escolas pelo Brasil, sem falsa modéstia.
Acreditamos MESMO que somos muito bons no que fazemos, que nossos alunos são
incrivelmente abençoados por estudarem em uma escola em que são tratados como gente,
como PROTAGONISTAS, seres criativos
capazes de realizar façanhas espetaculares. Acreditamos MESMO que formamos
cidadãos melhores, honestos, tolerantes, companheiros, educados... enfim, tudo
o que o nosso país precisa. E, finalmente, acreditamos MESMO que esses jovens
serão mais do que profissionais bem remunerados - eles serão os melhores dos
melhores porque farão mais do que exercer sua profissão: assim como nós, em sua
caminhada, usarão seu conhecimento para mudar o mundo e viver uma vida
extraordinária.
Marcel Costa
Professor de Língua Portuguesa e Língua Inglesa na
Rede Estadual do Rio de Janeiro
Pós-Graduado em Literatura e Produção Textual
pela UFF-RJ